Quem são realmente os árbitros de Magic the Gathering?
Iniciei-me recentemente na arbitragem e não foi difícil de reparar que muitos jogadores não sabem o que é ser árbitro e outros tantos vêm os árbitros não como “parceiros” no jogo e sim como um entrave ao mesmo. Assim, escrevo este artigo com o objectivo de mostrar o que é ser árbitro e também de chamar a atenção para certos pormenores aos quais, muitas vezes, os jogadores não dão importância.
No princípio, quando começámos a jogar, todos nós nos preocupávamos apenas em saber os “comos” do jogo e, para a maioria dos jogadores, esses “comos” é tudo com que se preocupam durante toda a sua experiência no MTG, mas será que para aqueles que querem evoluir como jogadores ou até tornar-se árbitros basta saber o “como” das coisas? Não, claro que não.
Os “comos”, como já devem ter percebido, são os efeitos práticos das acções de jogo, são os resultados de uma determinada jogada, são basicamente os automatismos, mas uma coisa automática é uma coisa mecânica, para a qual não é preciso pensar. Então é esse objectivo do MTG, ir jogando sem pensar muito, saber apenas que, por exemplo, se um jogador ficar com 0 de vida, esse jogador perde o jogo. Mas porque é que isso acontece? Será que interessa saber os “porquês” ou simplesmente não vale a pena? Alguns diriam que, para jogar, basta saber o que acontece e não o “porquê” de acontecer, mas para jogar bem e para realmente conhecer o jogo, é mesmo preciso saber os “porquês”, caso contrário se alguém jogar um Lightning Helix a 3 de vida com alvo em si próprio poder-se-á dizer que perde o jogo, no entanto, será isso que acontece?
Assim, em termos mais pessoais, um árbitro é (ou começa por ser) alguém que, depois de algum tempo a jogar MTG, desenvolve um interesse especial pelas regras e mecânicas do jogo, alguém cujo interesse não gira à volta dos “comos” mas sim dos “porquês”.
No que diz respeito a funções a desempenhar, o árbitro, num torneio, é a pessoa responsável pela aplicação das regras, pela aplicação de penalidades, por esclarecer dúvidas e ajudar os jogadores, sendo ajudar (o contrário de dificultar/entravar) a palavra chave.
De forma a cumprir correctamente estas funções que lhe são atribuídas, um árbitro tem que ter um conhecimento profundo de todas as regras de jogo e também das regras da organização de torneios, com isto não quero dizer que um árbitro nunca se engana, isso até poderá acontecer, por isso mesmo existe a possibilidade de apelo ao Head Judge do torneio, o que diminui drasticamente a eventualidade de erros na aplicação das regras (dois árbitros enganados em relação à aplicação de uma mesma regra, um dos quais, pelo menos, já com experiência comprovada – Head Judge – é algo que pode ser considerado extremamente improvável).
É também, fundamentalmente, no conhecimento das regras que se enquadra o esclarecimento de dúvidas e a tal ajuda que há pouco referi, no entanto, a esmagadora maioria dos jogadores têm uma ideia deturpada ou mesmo errada das funções dos árbitros neste campo, atribuindo-lhes pseudo obrigações que, de facto, não têm. Ou seja, o conhecimento de regras pode e deve ser utilizado pelos jogadores como uma vantagem sobre o seu oponente, não cabendo ao árbitro esclarecer um determinado jogador sobre os efeitos de uma possível jogada que quer fazer antes da decisão de a fazer ou não estar tomada, fazer isto seria dar uma vantagem a esse jogador sobre o seu oponente, o que vai contra o pilar fundamental da definição das funções de um árbitro, manter o jogo justo e equilibrado para todos os intervenientes. Desta forma, durante os jogos de um torneio, o árbitro pode apenas esclarecer dúvidas de aplicação de regras a uma jogada depois da mesma ser feita (salvo raras excepções, como por exemplo, se for pedido para ser lido o texto explicativo de uma determinada habilidade). Com isto não se pretende evitar que os jogadores recorram aos árbitros para o esclarecimento de dúvidas, muito pelo contrário, alguém que tenha a ambição de vir a ser árbitro deve ter como um dos principais objectivos, contribuir activamente para um melhor conhecimento das regras por parte da sua comunidade, desta forma qualquer árbitro estará mais do que disposto a esclarecer quaisquer tipo de dúvidas que possam surgir, até porque esta é também uma forma dele próprio aprender e ganhar experiência na arbitragem, no entanto, os jogadores devem também compreender e ter conhecimento da limitação que referi antes (algo que, muitas vezes, não acontece).
Um outro ponto que queria abordar diz respeito ao cumprimento dos tempos de entrega de decklists nos torneios de limitado. Nestes torneios, o que define o vencedor não é só a sua habilidade para o jogo em si, mas também a capacidade de construir um deck consistente com as cartas que tem disponíveis, no tempo estabelecido pelas regras. Os jogadores, ao excederem este tempo, estão a criar situações de injustiça para com aqueles que, de facto, utilizaram apenas o tempo estabelecido para pensarem/ponderarem/testarem as suas opções de construção e preencherem a sua decklist. Penso que este é um ponto fulcral, que deve ficar enraizado na comunidade de MTG em geral, o que infelizmente ainda não se verifica (ainda acontecem situações como a do PTQ Kyoto – Cascais, em cerca de metade dos jogadores inscritos levaram Warnings por causa disto mesmo).
O último aspecto que gostaria de referir diz respeito à aplicação de penalidades. Ao contrário do que possam pensar, não são as regras de jogo (Comprehensive Rules) e sim as Penalty Guidelines que causam mais dores de cabeça à maioria dos juizes. Apesar das Penalty Guidelines serem bastante específicas e cobrirem a esmagadora maioria das situações e especificidades das infracções, deixam ao critério do árbitro as agravantes a serem aplicadas, o que pode ser considerado uma vantagem ou uma desvantagem, consoante as perspectivas. Por um lado, isto proporciona ao árbitro uma maior margem de manobra para aplicar ao jogador a penalidade que considere mais correcta, no entanto, esta margem de manobra diz, muitas vezes, respeito ao potencial de vantagem dado pela infracção e à intencionalidade de a cometer, o que pode ser considerado subjectivo e é difícil de provar. É por isto mesmo que, também ao contrário do que muitos jogadores possam pensar, um árbitro não tem nenhuma vantagem em aplicar penalidades (e muito menos vontade), a não ser que esteja absolutamente convicto do que está a fazer, as penalidades servem apenas para corrigir erros cometidos pelos jogadores, para restituir a justiça a um jogo e para que os jogadores possam aprender mais facilmente com os seus erros (alguém que seja penalizado por ter cometido uma determinada infracção, muito dificilmente a voltará a cometer tão cedo).
Bem, espero que tenham gostado deste pequeno artigo e que ele tenha servido para vos dar uma perspectiva do “lado de lá da barricada”. Se com ele a barricada tiver diminuído um pouco já fez muita coisa, senão sempre serviu para chamar a atenção para grandes fontes de erros e comportamentos menos correctos nos torneios, o que também já não é mau.
P.S.- Aproveito para agradecer ao Luís Ribeiro (votan) a ajuda que me deu a limar o artigo.
Abraço,
Filipe Fernandes
Alterado a 05-12-2008 19:13:52 por egg_power